Enquanto estava escovando os meus dentes, tentando me livrar do óleo e da poeira da cortiça, ouvi uma batida na porta. A assistente da enfermeira-chefe olhou para dentro da cabina. Ela evidentemente pensou que seria desnecessário congratular-se comigo por eu estar viva, ou ainda indagar se eu estava machucada. Ao contrário, perguntou, ( Onde foi que você conseguiu a escova de dentes ? ) Eu respondi num tom de voz baixo receando que com o esforço despedindo poderia vomitar. ( Eu trouxe comigo ). O seu olhar de assombro e desconfiança levou-me a pensar se ela imaginava que eu estava aliada com o inimigo e tinha preparado alguns pertences para um final de semana, antes de entrar no bote salva-vidas.
Este trecho compõe a sinopse do livro ( Titanic Survivor The Memoirs of Violet Jessop ) ou ( Sobrevivente do Titanic Violet Jessop ), traduzido para o português do autor John Maxtone-Graham. A obra é uma coleção de memórias de Violet Jessop, a comissária de bordo que estava presente na colisão do Olympic com o cruzador Hawke e que sobreviveu aos naufrágios do Titanic e do Britannic, todos da White Star Line.
Violet escreveu suas memórias em 1934 e John Maxtone-Graham as editou e comentou para publicação do livro. Historiador marítimo, ele é autor de muitos clássicos sobre navios de passageiros e teve a oportunidade de entrevistar Violet em 1970, enquanto pesquisava detalhes para outro livro de sua autoria chamado ( The Only Way to Cross ). A ex-comissária morreu um ano mais tarde, deixando os manuscritos para suas sobrinhas. Provavelmente se não fosse por John, ninguém jamais conheceria a história fascinante de Violet Jessop que viveu uma vida de viagens incomuns e cheia de aventura.
Sua trama literária é ampla, pois além de testemunhar ocular do afundamento do Titanic e do Britannic, Violet Jessop nos tece histórias intrigantes, Comissárias amigas hilariantes, episódios grotescos nas cabinas, grito às armas na guerra, passageiros difíceis, companheiros de bordos cortejadores, portos exóticos, amor não correspondido e mortes trágicas.
O seu trabalho na companhia transatlântica White Star Line fez com que se tornasse personagem de dois épicos desastres marítimos. Ela foi salva do naufrágio do Titanic porque um oficial a mandou entrar no bote salva-vidas para que os imigrantes que não falava inglês pudessem seguir o seu exemplo. Já no Britannic, ela foi alertada por um de seus colegas de bordo para que embarcasse o mais rápido possível em um dos botes salva-vidas e assim ela o fez, no entanto, ainda precisou lidar com o desespero de quase ser sugada e triturada por uma das hélices do navio. Ao cair na água, foi atingida fortemente na cabeça e só não morreu afogada, pois um dos oficiais retornou para ajuda-la. Violet comenta o terror que foi se deparar com partes de membros ou mesmo órgãos flutuando no mar por conta das hélices que permaneceram funcionando até o momento do naufrágio.
Poucas são as comissárias de bordo que escreveram suas memórias, portanto, a história de vida de Violet Jessop é duplamente valiosa, única no gênero, além de altamente articulada e informativa é contada por alguém que fala com muita propriedade. De sua posição como comissária somos levados aos bastidores da vida da mulher a bordo de mais de cem anos atrás.
Esta é uma leitura obrigatória para todo entusiasta que se aventura em desvendar os mistérios e curiosidades que cerca a tragédia do R.M.S Titanic, não só pela riqueza das memórias transcritas, mas também para darmos mais valor e importância às histórias destes personagens ( coadjuvantes ) que merecem tanto o prestígio quanto a ( Inafundável ) Molly Brown ou mesmo Ida Straus. Certamente Violet Jessop é uma significativa representação dos passageiros da terceira classe e da tripulação em que todos compunham uma história, mas que muitas acabaram sendo ceifadas naquela noite fria de Abril.